segunda-feira, 21 de maio de 2012

Terra úmida


Fui deixado sem que
efetivamente &
afetivamente 
houvesse um começo.
Entre nós um amor galáctico,
ela disse que eu deveria amar
(ou foi admirar?)
mais os astros,
que de quando em vez
eu olhasse o céu noturno,
as constelações,
o cintilar de todo aquele infinito;
que eu desprendesse do umbilical,
do ventre que me amarrava às
coisas terrenas.
Aquilo estava ficando hermético demais,
então, do alto de minha ignorância e despojamento
fui pro quintal,
remexer a úmida terra, atrás de
minhocas, tanajuras e o
reluzente rasto da lesma.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Solicitações

                                                                                                Acordou,

‘pés no chão’,
pijama amarrotado;
do banheiro voltou com
cara de ‘panguá’,
o ‘dentifrício’ acabara.
Esfregou o ‘vitrô’
(movimentos circulares),
para desembaçar e pensou:
teremos mais um dia nublado,
com possibilidades de pancada
de chuva no final da tarde.
Enquanto a água fervia,
tentou filosofar sobre o que havia sonhado,
não era pra ele as teorias complicadas do
médico alemão.
Uma colher de nescafé e    
algumas gotas de adoçante;
sorvia seu café ralo de todo dia e
meditava sobre o quê poderia ser
feito naquela manhã,
toupeira como era titubeou,
lembrando depois das solicitações
que haviam para serem atendidas,
o quê deveria
devolver,
o quê deveria
abandonar,
o quê deveria
esquecer.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

O Baleiro


Com a mão esquerda
girou  o baleiro de vidro
tampas de plástico, coloridas;
tentou ocultar um
sentimento aflitivo, uma
aflição pungente, uma
comoção,
resquícios de infância,
algo à ser esquecido,
entanto sempre vinha perturbar-lhe;
do bolso da jaqueta xadrez
sacou algumas moedas,
então com destreza absoluta
 pegou balas soft 
com suas cores de predileção e um
chiclete ploc de tutti-frutti.  

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Destinos na tocaia

A desolação de estar no meio do nada,
de uma esperança esvaída na poeira,
na possibilidade tão árida quão o solo...
Uma mulher grávida,
sozinha num rincão do Brasil,
o martírio da solidão, do abandono.
Na chegada de um retirante às avessas,
um alento,
depois, é claro, 
da desconfiança natural do bicho.
O alento, no entanto, será
desfigurado amiúde,
no convívio sórdido entre humanos.
A força das interpretações,
a poética do arrebol,
o desprezo dos passantes,
o bebê e seu choro intérmino,
o desespero junto às mudanças sempre adiadas:
destinos na tocaia. 

Filme: Latitude Zero
Para aqueles que ainda insistem no não reconhecimento do multifacetado
Cinema Nacional, eis aí uma boa chance de rever (pre)conceitos.



segunda-feira, 14 de maio de 2012

Carne minha


minha carne me trai
                          traí a
minha carne
minha carne contrai
                          traíra essa
minha carne
minha carne distrai
                    distraída seja
minha carne
minha carne descontrai
                               traída vem
minha carne
           carne
minha          sem
           caráter .

domingo, 6 de maio de 2012

Ira de Mulher


Cafajeste!!
Canalha!!
Ela tinha um jeito rodriguiano de dizer,
e eu adorava aquilo,
era tudo encenação, mise-en-scène pura, teatralidade.
- eu falei minha filha, ‘batata’, é furada...
repetia com a voz esganiçada da mãe,
e eu lá, ‘bibelô’, me achando,
- um pinto, pinto todo homem tem...
e eu ainda pensei em dizer:
- duro é achar um com a minha desenvoltura,
gozar dentro e ainda te chupar;
mas, deixei pra lá, fingi ser Benson, tocando Take Five.
- você ainda vai se foder...
O velho tripé estava de volta:
reclamar, xingar e pôr defeito;
concordei mimicamente,
mas, bati três vezes na madeira,                                                                                                      disfunção erétil, isso não...
- gonorréia, ela gritou á plenos pulmões,
mais uma vez me desejando mal,
lembrei de,  O pulso do Titãs,
- tudo bem, tem cura, pensei.
Tentei ponderar, o quê me impele pro vício,
o quê me distancia da virtude, depois
concordei com as inúmeras vezes que ela disse:
Você não é romântico!
Adormeceu; pulsos cerrados, semblante amarrado,
e na baba muitas maldiçoes;
Tirei-lhe a calcinha e... eu sabia:
É TERRÍVEL A IRA DE UMA MULHER POR NÃO TER SIDO COMIDA!