domingo, 16 de março de 2025

Não se glorie (os 3 is)

 Não se glorie,
por ter sido
tão turrona
(terra seca, esturricada)
no trato com outrem
‘’comigo’’.
 
Não se glorie,
por ter sido
tão você mesma
na sua pura essência.
 
Não se glorie,
por ter desempenhado
tão bem o que de fato
vós sois verdadeiramente
e demonstrar
tão claramente
aquilo que não
consegues esconder.
 
Não se glorie,
nem tente fingir
sentimentos vãos 
os verdadeiros querendo ou não
sempre emergem
nos pequenos detalhes:
indiferença,
ao abrir a porta quando chego
impaciência,
ao responder uma qualquer indagação
ignorância,
ao recusar carinho e afeto e energia,
‘’ não se atreva’’.
 
Não se glorie,
aconteceria num qualquer
momento silente,
de um jeito menos ruidoso,
aconteceria à luz
do vazio
do alívio
e estaria posto
como mormente
desaba a aurora.
 
Resta pouco entre
a memória
a imaginação
as tralhas
dentre esses os rabiscos
que esqueci de enviar
(dias tardios):
‘não pude voltar, espero que entendas’!   


segunda-feira, 10 de março de 2025

Alheio à afetação

 

Absorto na luta
irracional da mosca
e seu desespero no vidro
e eu incapaz de simplesmente
abrir a janela...
... e ela lá,
tergiversando sobre a melhoria
das universidades federais com
o aumento do funcionalismo.
 
Absorvido no rugir
silencioso da formiga
defendendo com afinco
um delicioso naco de açúcar...
... e ela lá,
balbuciando desconexas frases
sobre poesia francesa,
petelecos sobre literatura russa.
 
Abstraído na gatinha preta
que se alongava sob
o ruidoso ventilador de teto
enquanto eu bocejada de tédio...
... e ela lá,
falando como se estivesse
elaborando um raciocínio lógico
brilhante e inovador.
 
Alheio à toda
aquela afetação
eu só pensava
em ir pra casa
beber um vinho
e assistir a
2* temporada de
Ruptura. 



domingo, 2 de março de 2025

De ora avante

 

de ora avante
nem tente argüir,
descarte todas aquelas
pseudos argumentações
 
de ora avante
tente à miúde
desconsiderar todas as
considerações gerias
 
de ora avante
na sua pura insignificância
desbanque as suas
infundadas suposições
 
de ora avante
no seu puro suco de ignorância
debande precipícios à baixo
suas descaídas difamações
 
de ora avante
desista do improvável
sua suposta avant-garde
corroeu nossas apressadas conclusões
 
de ora avante
atente
ruiu
o que nunca prometemos
coda.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Fazendo enterros

 

o estrondo

fê-la estremecer horrorizada

 

o estio

fez-me esmorecer mortiço

 

a estrada

fez-se escorregadia sem luz

                          [e bifurcada

 

o estrago

fizeste entremente a fúria

         [e a nossa derrocada

 

o estopim

fazer-nos ia estralar ruidosamente

               [o histriônico em cada um

 

a espada  

fez-nos cortes e enviou a paz

                     [de sermos unos.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Harakiri ao entardecer

 

Com toda beleza e

sinceridade ela

expôs minhas

chagas,

fístulas e

pústulas;

assim de memória

com a teatralidade bacante

ela ressaltou minha

lepra,

sífilis e

cancro;

fazendo uso

de sua aguçada

visão feminista/funça

ela retratou

fielmente minha

insensatez,

concupiscência e

masculinidade tóxica;

...................................

E eu, longe de querer

contestar bulhufas

expus a veracidade

do conteúdo.

..................................

Mas ela sabe,

ninguém deve esperar

vindo de mim

uma mudança radical

significativa que seja,

nenhum

harakiri

ao entardecer. 


    

domingo, 6 de outubro de 2024

Sob escombros

nas circunvizinhanças 
nos equidistantes
nas adjacências 
nos derredores 
nas lonjuras 
nos longínquos 
nós distantes 
nós díspares 
tu no rio
eu no mar 
bombardeios entre 
sob escombros
soterrado
nosso amor 
perece.   

Dane-se!

o que eu denomino? 
o que eu domino?
 
quem eu demonizo?
quem eu domestico? 
 
queres deletar quem?
queres delatar quando? 
 
o que te detona?
o que te deprava? 
 
quem determina o quê? 
quem eu?
quem tu?
         dentro 
         deste vazio? 
         dane-se!

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Olhos que não ouso olhar em sonhos

                 olhos ocultos 

                 olhos em segredos

vozes dentro dos olhos ecoam

                 olhos solenes

                 olhos silentes

 sobre a mobília olhos míopes 

                 olhos na vigília, ensangüentos 

  nas ruínas dos olhos vagueiam recordações

 pupilas dilatam olhos mudos

             nos olhos as órbitas transcendem

                 olhos ocos, oco cérebro

     vales entre olhos outrem e eu

                 olhos sem sintonia

             dos olhos sinais transversais

    tremulam nos olhos sinfonias

    delírios nos olhos meus

        nos teus olhos faíscas fulminantes

      na luz dos olhos meus, amanhecer

   na neblina os olhos teus, crepúsculo

        obscuros olhos trevas trazem

                 olhos revelando a frialdade

  embriaguez, os olhos soluçam

     sóbrios, os olhos perdem-se

            teus olhos num acalanto

            meus olhos suspensos em susto

          nossos olhos frios não

                       fosforescem mais as

                       fugidias almas nossas

 

teus olhos

 nos olhos meus

 não       mais.